sexta-feira, 5 de outubro de 2012

UFF usa tecnologia para estudar as causas da neurofibromatose

Sequenciamento de última geração pode levar ao tratamento da doença. Professora que deu início aos estudos recebe prêmio da Academia Brasileira de Ciências.

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Organização da ONU para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), junto com a L'Oreal, homenageiam, nesta quarta-feira (26), no Copacabana Palace, as sete cientistas vencedoras do Prêmio Para Mulheres na Ciência deste ano.

Entre as premiadas, destaque para a carioca Karin Soares Cunha, professora adjunta de Patologia Oral da Faculdade de Odontologia do Pólo Universitário de Nova Friburgo da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela foi premiada com o trabalho "Sequenciamento de nova geração: revolucionando a análise mutacional do gene da neurofibromatose tipo 1". O estudo avalia as mutações de gene que causa a doença, que pode gerar múltiplos tumores de origem neural e manchas na pele. O mal ainda não tem cura.

Em entrevista, a professora fala sobre o que a levou a iniciar os estudos e a importância do trabalho para a vida de milhares de pessoas. As laureadas receberão bolsa-auxílio no valor equivalente a R$ 20 mil, que ajudará na continuidades das pesquisas.

O que é o trabalho?
O objetivo é utilizar o sequenciamento de nova geração para estudar as mutações do gene NF1, responsáveis pela doença, e também tentar colaborar na compreensão das correlações, que ainda pouco são compreendidas, entre as mutações do gene e as manifestações clínicas da doença.

Em linhas gerais, o que é a neurofibromatose tipo 1?
A neurofibromatose tipo 1 representa uma das doenças genéticas mais comuns, com uma prevalência de um caso a cada 3 mil nascimentos, e pode causar várias manifestações clínicas. Dentre as principais, a presença de múltiplos tumores de origem neural, chamados neurofibromas, e manchas na pele conhecidas como manchas café-com-leite.

O que causa a doença?
Ela é causada por alterações, ou seja, mutações, em um segmento do DNA, chamado gene NF1. Este gene é muito grande e complexo e, consequentemente, sempre houve dificuldade para o estudo das suas mutações. Sequenciá-lo significa conhecer a sua sequência de bases [adenina, timina, citosina, guanina] e saber o que está alterado. Isto é um grande desafio quando são utilizados sequenciadores convencionais, sendo muito trabalhoso, demorado e caro.

O que é exatamente "sequenciamento de nova geração"?
O sequenciamento de DNA tem evoluído rapidamente nos últimos anos. O projeto genoma, iniciado em 1990, por exemplo, custou três bilhões de dólares para sequenciar as três bilhões de bases do genoma humano e demorou 13 anos. Atualmente, por exemplo, é possível sequenciar, com a tecnologia de nova geração, todo o genoma humano por mil dólares em apenas algumas horas. A vantagem dos sequenciadores de nova geração é a capacidade de sequenciar milhões de bases de uma única vez [em uma única corrida].

Por que o verbo "revolucionar" usado no título da pesquisa?
Face a todas as dificuldades encontradas no sequenciamento do gene NF1, os sequenciadores de nova geração tornam-se a tecnologia ideal, possibilitando uma verdadeira revolução, com análises mais seguras, rápidas, simples e com menor custo por indivíduo. Os protocolos, até então usados para as análises das mutações do gene NF1, utilizam sequenciadores convencionais, além de outras metodologias, sendo muito trabalhosos e demandam vários dias de trabalho para sequenciar o gene de um único indivíduo. Neste nosso trabalho vamos poder sequenciar o gene NF1 de 64 indivíduos com a doença em apenas um único dia. Vamos utilizar a tecnologia mais moderna no que se refere ao sequenciamento de nova geração, usando chips semicondutores.

Qual a importância do trabalho?
Com este estudo, iremos compreender melhor a doença e isto certamente permitirá um futuro promissor para pacientes e familiares, com a possibilidade de desenvolvimento de terapias eficazes. Além disto, será possível disponibilizar aqui no Brasil o teste molecular para a NF1. Isto é importante em alguns casos em que não se consegue estabelecer o diagnóstico da doença pelos aspectos clínicos. Por exemplo, cerca de metade dos pacientes com NF1 sem história familiar não apresentam os critérios para o diagnóstico com um ano de idade e 5-10% destas crianças não preenchem os critérios com a idade de seis anos. Além disto, cerca de 2% de indivíduos que preenchem os critérios de NF1 têm síndrome de Legius, que é uma outra síndrome, e traz menos complicações do que a NF1.

Como surgiu a ideia de realizar este estudo?
A ideia de sequenciar o gene NF1 surgiu em 2004, quando iria iniciar o meu doutorado. No entanto, encontramos muitas dificuldades financeiras e, além disto, não havia a disponibilidade dos sequenciadores de nova geração, o que era um grande dificultador. Acabamos esquecendo, temporariamente, o projeto, mas agora, com o equipamento em nosso laboratório e com o prêmio recebido, isto se tornou possível. O equipamento foi adquirido no final do ano passado com um projeto maior, que envolveu a participação de vários professores do Programa de Pós-Graduação em Patologia da Universidade Federal Fluminense, para estudos de diversas doenças, além da neurofibromatose tipo 1.

Quando teve início o estudo?
Eu estudo a neurofibromatose desde 2000, quando iniciei o mestrado em Patologia Oral na Universidade Federal Fluminense. Continuei estudando no doutorado e pósdoutorado. Atualmente, temos vários alunos de graduação, mestrado e doutorado trabalhando conosco, além de professores colaboradores da nossa instituição e de outras universidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Este estudo especificamente ainda não começou. O prêmio recebido irá possibilitar a compra de todos os reagentes indispensáveis para esta pesquisa. Imagino que em breve teremos resultados bem interessantes.

Há, hoje, um tratamento eficaz para a neurofibromatose tipo 1? Como está a pesquisa científica neste campo?
Os ensaios clínicos para tratamento das alterações das NF têm sido realizados há mais de 10 anos, mas ainda não temos um tratamento eficaz para as Neurofibromatoses. Alguns medicamentos têm mostrado resultados promissores, mas ainda há a necessidade de mais estudos. Neste ano, eu ajudei a editar um livro, publicado por uma editora de Nova York, intitulado "Advances in neurofibromatosis research (Avanços na pesquisa na neurofibromatose)", voltado para pesquisadores e profissionais da área de saúde e biológicas, com o objetivo de divulgar os avanços dos estudos. Neste livro, contamos com a colaboração de vários pesquisadores conceituados do Brasil, Estados Unidos, Austrália, Áustria, França e Itália.

Fonte: Jornal da Ciência.

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