sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Sustentáveis e rentáveis

Sustentável e rentável. Há quem acredite que essas duas qualidades andem divorciadas no mundo dos investimentos. Entendem que o objetivo original de uma aplicação financeira é maximizar o lucro. Querer algo a mais - como contribuir para a conservação ambiental ou a responsabilidade social - seria um erro primário, um desvio de função. Mas números recentes sugerem que as aplicações financeiras que seguem preceitos de sustentabilidade podem ser tão rentáveis quanto as outras.

Do início do ano até 8 de agosto, fundos de ações da categoria sustentabilidade e governança renderam, em média, 13,69%, muito acima dos grupos Ibovespa Ativo (5,55%) e IBrX Ativo (7,81%), segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Apostar no bom desempenho dos fundos sustentáveis não é um ato de fé, defende Celso Lemme, professor da Coppead, instituto de pós-graduação e pesquisa em administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Há uma evidência", afirma. E foi constatada em um recente trabalho acadêmico do qual ele foi orientador. Em sua dissertação de mestrado na Coppead, o carioca Dimas Hartz Pinto avaliou o retorno e o risco de fundos de investimento socialmente responsáveis (ISR) ao longo de 60 meses, entre janeiro de 2006 e dezembro de 2010.

Ele analisou 11 fundos de ações brasileiros que têm por característica principal a seleção dos ativos sob critérios socioambientais. Comparou esses investimentos com fundos indexados ao Índice Bovespa e ao Índice Brasil (IBrX), administrados pelos mesmos gestores. Foram utilizados ainda alguns indicadores como o Alfa de Jensen, o Índice de Sharpe e o Índice Treynor, além de outros métodos de comparação e de verificação da acuidade dos resultados.

A conclusão é de que não há uma diferença relevante entre os fundos sustentáveis e os que seguem índices gerais do mercado acionário. Os verdes ganham por pouco das carteiras convencionais. No período da pesquisa, o retorno médio mensal ajustado ao risco dos ISRs foi de 1,52%. Dos fundos Ibovespa, foi de 1,38%. Dos fundos IBrX, de 1,35%. O Alfa de Jensen, que mostra a diferença entre os retornos dos fundos sustentáveis em relação ao benchmark, ficou em 0,167% ao mês e 0,199% ao mês comparado aos fundos Ibovespa e IBrX, respectivamente. "Foi um empate técnico. O resultado não tem significância estatística", afirma Lemme, que é autor de um capítulo do livro "Sustentabilidade e Geração de Valor", da Editora Campus/Elsevier.

Apesar de o placar ter ficado, pelo rigor estatístico, no "zero a zero", o jogo não foi perdido. Lemme e Dimas veem o resultado de forma bastante positiva. Sob a ótica meramente financeira, a pesquisa demonstra que os produtos são iguais. Rendem praticamente o mesmo. "As pessoas normalmente julgam que para investir em algo que é socialmente responsável é preciso abrir mão do benefício econômico. Mas o estudo comprova que não é verdade. É possível ter lucro observando critérios sustentáveis", afirma Dimas.

Pensando além do universo da matemática, os ISRs geram uma vantagem extra: a consideração de riscos socioambientais na seleção dos investimentos. O resultado obtido por Dimas é consistente com os mais de 50 estudos estrangeiros semelhantes que o pesquisador analisou e expôs em sua dissertação. Na maioria, as pesquisas americanas e europeias apontaram uma relação risco-retorno melhor para os fundos ISR. Os indicadores de retorno e volatilidade do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BM&FBovespa também evidenciam um resultado mais favorável para o indicador verde. Desde 30 de novembro de 2005, quando foi criado, o ISE avançou 137%. O Ibovespa, 85,24%. Observando a volatilidade, o ISE também demonstrou comportamento melhor que o índice das ações mais negociadas na bolsa. "Destaco que, no pico da crise de 2008, o ISE descolou do mercado. Isso mostra que uma carteira focada em governança tende a sofrer menos em períodos ruins", afirma Sonia Favaretto, diretora de sustentabilidade da BM&FBovespa.

Para Hugo Penteado, economista-chefe da Santander Asset Management, a pergunta que os investidores deveriam fazer não é qual é o retorno dos investimentos sustentáveis. E, sim, qual é o "não retorno" das aplicações não sustentáveis no longo prazo. Para o investidor José Alves Bento, do Rio de Janeiro, a reflexão faz todo sentido. Engenheiro aposentado, Bento passou a olhar para a sua carteira de ações sob a ótica da sustentabilidade e tomou uma decisão difícil. Está vendendo os papéis de empresas rentáveis no curto prazo, mas que tendem a perecer no longo prazo. "Estou me desfazendo de alguns papéis porque percebo que há problemas num horizonte mais distante", afirma ele. "Para mim, a sustentabilidade já é uma questão inerente a qualquer empresa."

Sob o ponto de vista de investimento, a estratégia de Bento é adequada. Como explica Fabio Colombo, administrador de investimentos, escolher os ativos sob o filtro da sustentabilidade é uma forma de reduzir o risco da operação. Penteado, do Santander, é mais taxativo. "A não observação das questões ligadas ao meio ambiente, ao impacto social e à governança traz riscos financeiros para os negócios. É preciso olhar a qualidade do retorno", afirma.

No caso do fundo de ações Ethical, lançado em 2001 pelo ABN e mantido pelo Santander sob as mesmas diretrizes, o desempenho pode ser considerado interessante. Do lançamento da carteira até o fim de junho, o retorno foi de 596%. A turma do deixa-disso pode ponderar que outros fundos, sem restrições à formação da carteira como tem o Ethical, ganharam muito mais. É verdade. Mas, comparado ao principal referencial do mercado, o Ethical foi bem. No mesmo período, o Ibovespa subiu 356%.

Ganho acima do mercado também pôde ser visto no fundo Excelência Social do Itaú Unibanco. Criado em 2004 sob critérios sustentáveis, a carteira rendeu para o cotista 210% até 30 de junho deste ano. O Ibovespa acumulou alta de 132,2% no mesmo período. "O desafio é fazer com que o nosso mercado passe a levar em conta as premissas da sustentabilidade", afirma Luiz Felix Cavallari, gestor da Itaú Asset Management.

Fonte: Jornal da Ciência.

0 comentários:

Postar um comentário