terça-feira, 21 de agosto de 2012

Nova ciência para o desenvolvimento sustentável

Para diretora da Divisão de Políticas Científicas da Unesco, transição para economia verde e sustentável exige mudanças de pensamento e de atitudes em todos os setores

A construção de um futuro sustentável depende de uma série de mudanças, incluindo o modo de se fazer ciência. A opinião é da moçambicana Lídia Brito, diretora da Divisão de Políticas Científicas da Unesco. Conhecida pelo seu engajamento em questões ambientais e em movimentos feministas, Brito esteve na Rio+20 para deixar uma mensagem diferente. De acordo com ela, os cientistas também devem mudar a forma como pensam a solução dos problemas, as agências de financiamento devem priorizar áreas de pesquisas essenciais para a sustentabilidade e a sociedade deve cobrar dos cientistas, do governo e dos empresários melhores respostas às suas perguntas. Acompanhe a entrevista abaixo de Lídia Brito para a Revista Pré-Univesp.

Pré-Univesp: Cientistas e pesquisadores de todo o mundo participaram ativamente de vários eventos paralelos à reunião de chefes de Estado durante a Rio+20. Na sua opinião, qual foi a mensagem deixada pelos cientistas na Cúpula da ONU?

Lídia Brito: Os cientistas mostraram que podem trazer respostas para o futuro do planeta e que querem fazer parte da solução. Mostraram também que estão preparados para mudar a sua forma de fazer ciência. A ideia foi mostrar um compromisso da comunidade científica. Isso vai além de "fazer reivindicações".O lançamento do documento "Future earth" [Terra do Futuro, lançado em evento paralelo a Rio+20, que reúne observações de cientistas sobre o futuro do planeta - www.icsu.org/future-earth], mostrou que os cientistas estão dizendo "nós vamos fazer uma nova ciência". Nós estamos preparados para responder de uma forma participativa e integrada com os outros atores envolvidos no processo de construção de uma nova economia verde, como empresários e governo. Esperamos que a ciência seja envolvida no processo de desenho e de definições dessas metas.

Pré-Univesp: Mas a ciência também precisa se preparar para esse debate e para essa nova sociedade "verde"...

Lídia Brito: Sem dúvida. Quando eu digo que existe o compromisso, não quer dizer que estejamos lá. Nós assumimos a consciência de que a ciência tem de ser feita de maneira diferente. O "Future earth" é uma dessas iniciativas. Mas há muita coisa mais para se mudar. É preciso repensar a gestão das instituições que fazem e que financiam pesquisa, das redes de pesquisa locais e internacionais. É preciso repensar a maneira de se fazer ciência.

Pré-Univesp: As agências de financiamento à ciência devem priorizar áreas de pesquisa voltadas à sustentabilidade?

Lídia Brito: Mais do que isso, é preciso priorizar pesquisas que respondam a questões que são globais. As várias comunidades científicas precisam trabalhar juntas. E precisamos trazer a sociedade "para dentro" desse processo. Em outras palavras: precisamos de um novo contrato entre ciência e sociedade.

Temos de desenvolver uma nova interface entre ciência e política que ainda não está bem desenvolvida. Em uma área em que sabemos que não há capacidade científica, por exemplo nos países pobres da África, precisamos trabalhar em cooperação científica internacional. Há 'fossas' científicas em vários lugares do mundo. Há lugares do mundo que não têm capacidade de produzir conhecimento e nem de transformar esse conhecimento em ação. Não podemos deixar algumas regiões do mundo sem respostas. Precisamos pensar na sustentabilidade para todo planeta.

Pré-Univesp: Como exatamente a sustentabilidade pode salvar o futuro do planeta?

Lídia Brito: A humanidade é a sua maior força. Isso significa que a responsabilidade da humanidade, de tomar conta do sistema terrestre, aumenta muito. É preciso pensar que cada ação que nós tomamos pode proteger o planeta Terra ou então destruir esse equilíbrio do sistema - lembrando que é um sistema muito complexo e muito interconectado. Se nós queremos manter a civilização como nós a conhecemos, nós temos de dar atenção a isso. Estamos vivendo um processo de mudança que é incerto porque estamos entrando em uma zona de incerteza. Agora temos de ver que ainda temos muita pobreza no mundo e que essa pobreza está tendo uma rápida aceleração. Há muita gente que não come todos os dias, que não tem água potável. Pensar em um futuro sustentável de uma maneira consciente é pensar também em como seremos capazes de acabar com essas desigualdades. Precisamos olhar para nós e para os outros em harmonia com o ambiente em que vivemos. E isso é uma questão social. É falarmos de sociedades sábias, e não de políticos e de cientistas.

Pré-Univesp: Como engajar a sociedade nesse processo?

Lídia Brito: Primeiramente, por meio da imprensa. É preciso mostrar ao público os dados que a ciência nos aponta hoje. Há dados que mostram que o planeta está ficando insustentável. As pessoas precisam conhecer essas informações. Precisamos comunicar a ciência de uma maneira que toque as pessoas. Nós já temos evidências de que há um momento de intensidade e de frequência de desastres naturais. A nossa geração já sente isso, especialmente as comunidades que vivem mais em contato com a natureza. Por exemplo, as populações perto das costas, as comunidades de pescadores. Essas pessoas já estão sentindo as mudanças climáticas. Há menos peixes. O movimento das águas mudou. Mas não é só isso. A ciência tem de responder também às questões sociais. A sociedade tem de questionar a comunidade científica e essa comunidade tem de ouvir e tem de responder. É preciso mobilizar o conhecimento intrínseco da ciência e da sociedade, ou seja, os saberes populares, os conhecimentos que estão nos povos.

Pré-Univesp: Estamos vivendo um momento no Brasil de debate sobre o novo Código Florestal brasileiro, em substituição ao vigente, de 1965. Os cientistas se posicionaram contra o novo texto, que foi aprovado pela Câmara e só voltou a ser discutido depois de ter sido parcialmente vetado pela presidente Dilma Rousseff. Existe uma sensação de que no Brasil os cientistas falam, mas não são ouvidos. Por que existe esse buraco?

Lídia Brito: Esse buraco não é um caso particular do Brasil. É justamente por isso que estamos trabalhando tanto para criar novas maneiras de interface entre ciência e política. Mas esse buraco acontece também entre ciência e sociedade, ciência e setor privado, setor privado e sociedade e por aí vai. Esse diálogo tem de ser incentivado. A Rio+20 foi justamente uma oportunidade de fazer essas conexões. O que temos de saber agora é como fazer isso de maneira eficiente e constante.

Pré-Univesp: Existe um debate sobre igualdade de gênero para o desenvolvimento sustentável. A senhora é feminista e ambientalista. Como vê esse debate?

Lídia Brito: Isso é simples. A mulher deve participar do debate simplesmente porque somos 50% da população humana - e, em alguns países, a porcentagem é até maior. E, se a mulher não participar do debate trazendo a sua visão crítica sobre o que é desenvolvimento sustentável, então a discussão não será sustentável. Metade da capacidade humana de ajudar a resolver os problemas ambientais é feminina. Não é possível fazer transformação se 50% estiver de fora. A mesma coisa acontece se os pobres estiverem de fora ou os negros ou qualquer outro grupo. Não podemos fazer o debate se houver exclusão, porque as ideias e os questionamentos dos grupos excluídos não estarão em pauta. Além disso, em muitos países, inclusive no Brasil, a mulher tem muito conhecimento sobre a atividade agrícola e no campo. E, se a mulher não for envolvida, vamos perder boa parte da capacidade de reflexão humana. Justamente por isso os debates de gênero são trazidos à tona. Esse debate entre os grupos é fundamental para o desenvolvimento sustentável. Todos têm de participar.

Fonte: pré-Univesp.

0 comentários:

Postar um comentário